domingo, 17 de novembro de 2013

Irã permite e controla comércio de rins, mas fila de espera cria mercado negro

O funcionário público iraniano Alireza Noruzi (nome fictício), 45, tem um irmão doente que precisa de um transplante de rim. Em qualquer outro país, Noruzi dependeria da morte de algum doador compatível para aliviar o sofrimento da família.
No Irã, porém, ele pode comprar legalmente o órgão de uma pessoa viva.
O comércio de rins é permitido, incentivado e controlado pelas autoridades da república islâmica há mais de 20 anos. Por meio de sua Associação Caritativa de Apoio aos Pacientes de Rins, o governo promove encontros entre doadores e compradores, que, uma vez em contato, definem o preço da transação em comum acordo.
Quem quiser vender seu órgão receberá em média 90 milhões de riais, equivalentes a US$ 3.000, dos quais US$ 300 são pagos pelo Estado como "retribuição" fixa por ajudar a diminuir filas de espera.
Noruzi, uma das várias pessoas ouvidas pela Folha nesta reportagem, inscreveu o irmão doente no registro oficial de compradores potenciais. Mas a associação não considerou o caso urgente, e o prontuário foi empurrado para uma lista de espera na qual pacientes podem permanecer por até oito meses.
Preocupado com a piora do irmão, Noruzi recorreu ao mercado negro. "A associação oficial faz um ótimo trabalho, mas estamos desesperados", justifica o funcionário público.
Mulher passa diante de anúncios de venda ilegal de rins no centro de Teerã Candidatos ao comércio ilegal não faltam. As ruas de Teerã estão cheias de anúncios em folhas de papel cravadas em árvores ou rabiscados nos muros com marcador. Uns buscam doadores, mas a grande maioria é relativa à venda.
A maioria das inscrições ostenta o primeiro nome do doador, o tipo de sangue e um telefone para contato.
Apu Gomes/Folhapress
Mulher passa diante de anúncios de venda ilegal de rins no centro de Teerã
"Hashemi, +AB, urgente, 09358042010", diz mensagem num muro do centro de Teerã, ao lado da sede da associação que rege o comércio legal de rins.
Anunciantes recorrem a vários truques para tentar se diferenciar dos concorrentes. Uns escrevem seus dados em cores berrantes e destacam garantias adicionais, como "jovem e atlético" ou "casado." Outros divulgam sua oferta em pedaços de papel colados até em portas de residências. Há relatos de traficantes de rins que abordam pessoas nos arredores dos hospitais e dos escritórios da associação estatal.
A disputa também ocorre na internet, onde proliferam blogs e sites especializados no comércio dos órgãos.
Caminhos informais dispensam formalidades burocráticas e levam rapidamente a transações. Mas os atalhos têm custo: um rim no mercado negro pode valer sete vezes mais do que no circuito oficial.
"Quem aceita ceder uma parte do próprio corpo pela pechincha [paga no circuito legal]?", questiona o vendedor de loja Masi Ebrahimi, 28, ecoando queixa comum de que o dinheiro oferecido legalmente não vale o sacrifício.
"Tenho muitas dívidas. Meu preço é [US$ 23 mil]. Já tentei de tudo para levantar dinheiro. [Vender um rim] é minha última opção."
O engenheiro Pouyan Beheshti, 26, está cobrando metade do exigido por Ebrahimi. Beheshti afirma necessitar do dinheiro com urgência para se casar. "Segundo meus cálculos, pode até sobrar alguma coisa para investir numa pequena empresa."
Doadores com idade superior a 40 anos e que possuem tipos de sangue mais comuns são pressionados a baixar preços. Mas o aposentado Khodamorovat Nosrati, 55, descarta oferecer seu rim por menos de US$ 16 mil. "Estou passando necessidade", alegou.
As tarifas do mercado negro até agora só aumentaram a angústia de Noruzi, que procura um rim para o irmão.
"Ou continuo buscas até achar um doador que cobre menos ou rezo para que meu irmão aguente até chegar sua vez na lista de espera oficial."
COMÉRCIO EM ALTA
A crise econômica causada pelas sanções ao programa nuclear do Irã levou à alta da oferta de rins. Em 2005, a média anual de doações era de 1.400 vendas legais. Hoje o número gira em torno de 2.200, segundo dados oficiais.
Mustafá Ghassemi, diretor da associação estatal, minimiza o comércio ilegal, cuja dimensão é difícil de avaliar, e diz que as autoridades estão fechando o cerco contra clínicas que fazem transplante sem autorização.
Segundo Ghassemi, o governo vem tentando sensibilizar famílias sobre a necessidade de doar órgãos dos mortos para frear o embalo da comercialização.
O diretor diz que a legalização do comércio de rins foi implantada por pragmatismo e resultou numa queda drástica das esperas, o que chamou a atenção do Ocidente.
Em outubro, estudo canadense da Universidade de Calgary sugeriu que retribuir doadores com US$ 10 mil levaria à diminuição das filas para transplante e aliviaria custos com diálise.
Em 2012, ao menos 4.500 pessoas morreram nos EUA enquanto esperavam um rim.
Mas o estudo foi rejeitado por Stephen Pastan, da Fundação Nacional dos Rins do Canadá. Para ele, o incentivo financeiro poderia afetar o atual sistema mundial, baseado no altruísmo.

Colaborou MINA JOSHAGHANI, de Teerã; alguns nomes foram alterados, a pedido dos entrevistados.

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