terça-feira, 30 de novembro de 2010

Os traficantes me perguntam se estão pecando, diz padre da Igreja da Penha

Padre Serafim de Souza Fernandes comanda igreja católica no alto da região do Complexo do Alemão.

Há quase 14 anos no posto de reitor do Santuário da Penha, o padre Serafim Fernandes comanda uma igreja cravada não apenas nas rochas do Morro da Penha, mas também no alto da região do Complexo do Alemão. De cima dos 382 degraus que levam os fiéis até a igreja, ele consegue observar diariamente toda a paisagem do Rio de Janeiro, especialmente as comunidades dominadas pelos líderes do Comando Vermelho.

A posição estratégia, no entanto, não agrada apenas os turistas e freqüentadores. Os traficantes das incalculáveis favelas que rodeiam o santuário perceberam há tempos que o local é perfeito para monitorar operações policias. Nesta semana, imagens registradas por redes de televisão e por fotógrafos comprovaram isso, mostraram bandidos fortemente armados fazendo vigília ao lado da igreja.

“Carioquês”, nascido em Portugal e vindo para o Brasil na adolescência, o padre diz que os criminosos sempre entraram na propriedade – e nunca causaram problema. Ao som das badaladas dos sinos da igreja, trilha sonora mesclada com os barulhos de tiros que não param neste sábado (27) na região, Fernandes conversou com o UOL Notícias e assumiu que o movimento no santuário diminuiu com a onda de violência e afirmou que reza todo dia pela “paz”.

UOL Notícias - Os traficantes entram na igreja com freqüência?

Padre Serafim Fernandes - É um fato. Registrado. Porém, eu tenho que falar com toda a verdade. Eles, mesmo entrando aqui, eles nunca nos molestaram. Eles não entravam agredindo ninguém, gerando qualquer violência aqui dentro. Eles acessavam a escadaria mais para atingir os objetivos deles, que é vigiar. Que eles entravam, com violência, ameaçando, quebrando, queimando, matando, nada. Inclusive as pessoas aqui nunca foram assaltadas. Chegavam, faziam sua oração. Sempre um clima tranqüilo. Nunca fomos molestados por ninguém.

UOL Notícias - Os traficantes se confessam com o senhor?

Padre Fernandes - Às vezes um ou outro procura, mais para pedir aconselhamento. Tem uns que eu conheço desde criança. Estou há 14 anos aqui. Conheço alguns pelo nome. Sempre que tinha oportunidade, eu dava conselhos. Bons conselhos. Eles perguntam: “padre, estou em pecado?” Eu dizia, está. Está fazendo coisa errada. Não pode. Não é permitido. É contra os mandamentos e as orientações de Jesus Cristo. Eu, sendo padre, só posso dizer que eles estão errados.

UOL Notícias - Como o senhor reage a essa aproximação?

Padre Fernandes - Eles só vem olhar. Eu estava fazendo minhas orações na quarta-feira quando teve aquele flagrante que a televisão filmou um menino vigiando lá de cima da igreja. Eu estava fazendo minhas orações. Eu estava dentro da igreja. Na quinta-feira, quando chegaram os tanques, eu me limitei a ficar dentro da igreja. Eu e alguns funcionários. Eu rezo por todos. Rezo pelo poder público para que adote medidas acertadas, justas. Eu rezo pelos policias. Os agentes que estão fazendo essas incursões são seres humanos. Muitos são pais, têm esposas. E os traficantes também. Eles têm mãe, pai, esposa. Não são bichos, são seres humanos. Eles sofrem. Temos que ter essa percepção. Não é por fazerem coisas erradas, que a igreja reprova, que eles deixam de serem humanos.

UOL Notícias - O que o senhor sente por eles?

Padre Fernandes - Eu sinto muita pena. Quando eu vejo um jovem se encaminhando para essa vida, eu fico profundamente triste. Quando eu escuto um tiro, meu coração acelera. Um tiro pode significar que uma vida pode estar sendo perdida, inclusive um inocente. Os fiéis são testemunhas que todos os dias eu rezo pela paz. Muitos dizem: “está rezando pela paz e não está acontecendo nada”. Nós vivemos na esperança. A esperança não é a última que morre. Ela nunca morre. Para nós, cristão, a esperança nunca morre.

UOL Notícias - E as famílias dos traficantes procuram o senhor?

Padre Fernandes - As mães de traficantes são pessoas sofridas. Já vi muitas mães derramarem lágrimas pelos filhos envolvidos com o crime. Muitas mães. É um sofrimento muito grande. Pai e mãe sofrem muito. Às vezes, até com a consciência pesada, fazendo aquela clássica pergunta: “onde eu errei?”. Muitos pais se questionam se eles mesmo erraram. Mas eu não posso dizer. Quem sou para julgar?

UOL Notícias - Como senhor está hoje?

Padre Fernandes - Estou bem, pessoalmente, porém preocupado com essa situação, com tudo isso que está acontecendo. Não sabemos para onde estamos caminhando. Se estamos caminhando para uma paz efetiva, uma justiça permanente, ou se estamos vivendo um momento de indefinição. Essas coisas são imprevisíveis, as coisas são iniciadas com objetivo, mas depois, no percurso, corre o risco de haver um desvio de intenções, de objetivos. Minha preocupação é com o futuro, com o desdobramento.

UOL Notícias - O senhor tem medo que a ação policial não resulte em nada?

Padre Fernandes - Pela minha experiência, eu já vi várias incursões. Eu já vi muita gente sofrendo. E depois foi aquele fogo de palha, que não resultou em nada, em termos de benefício para a população. Eu já vi muito sofrimento, já vi muitos jovens tombarem. Já vi muitas mães chorarem seus filhos, filhos chorarem seus pais. E depois terminou aquela fase. Foi uma coisa de momento. E se fez um alarido, e depois voltou tudo ao mesmo. Os jovens continuaram sem perspectiva de futuro, as crianças, adolescentes. Eu penso que ninguém desejaria essa situação de tudo o que está acontecendo, nem o poder público. Ninguém é eleito para perseguir A, B ou C, mas para administrar o Estado.

UOL Notícias - O que o senhor tem feito para ajudar a solucionar o problema?

Padre Fernandes - Eu, da minha parte, tenho procurado fazer tudo o que é possível para colaborar para que as coisas tomem um rumo. Agora estão dizendo que a coisa é definitiva, que as pessoas terão paz. Mas essa paz consiste em que? Abater as pessoas? Serão tomadas quais medidas? É preciso criar projetos sociais, promoção humana, para oferecer também às crianças e adolescentes uma perspectiva de futuro. Essa é nossa interrogação.

UOL Notícias - O movimento na igreja diminuiu?

Padre Fernandes - Seria forçar a barra negar que houve um esvaziamento. O normal era ter gente circulando, rezando, esvaziou bastante. Acredito que as pessoas ainda se sentem inseguras.

Fonte: UOL

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